segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O que é ser cidadão na sociedade contemporânea: informação, conhecimento e “inclusão digital”

Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

Mestrado em Políticas públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional

Disciplina: Gestão da Informação para a Cidadania e Desenvolvimento

Professores: Alfredo Matta, Francisca de Paula, Vânia Valente

José Agnaldo Barreto de Almeida

O que é ser cidadão na sociedade contemporânea: informação, conhecimento e “inclusão digital”

A sociedade contemporânea tem se caracterizado como um momento de reflexões e profundas indagações acerca dos modelos econômicos e sociais que são postos e construídos na e pelas pessoas que vivem e convivem nela; questiona-se a fragmentação do conhecimento, questiona-se a racionalidade, a democracia e o sentido do termo cidadania, que está muito propalado, mas muitos o usam de formas tão diferenciadas que acabam por esvaziar o conceito.

O cerne da discussão passará por observar o entendimento do ser cidadão, mas se procurará travar tal discussão analisando o atual contexto, refazendo caminhos e pensando sobre o papel das tecnologias da informação e comunicação (TICs) na vida das pessoas.

O século XX foi o período em que o mundo assistiu a mudanças rápidas e até então não experienciadas em nenhum momento da história da humanidade, tanto é que o historiador inglês Eric Hobsbawn o chamou de “A Era dos Extremos” e o coloca como um período breve: “o breve século XX”. Sobre as mudanças pode-se apontar que aconteceram nos contextos econômicos, geográficos, na ciência, na tecnologia e elas gestaram novas formas de viver e conviver; nesse contexto as chamadas tecnologias “invadiram” os cotidianos e deixaram muitas pessoas atordoadas com o discurso maciço de que se estava entrando em uma nova época em que o computador, a Internet e outros meios eram ferramentas que deveriam ser valorizadas. Assim, Sales (2010) afirma que:

Nesse cenário, a sociedade vem sendo conceituada como “sociedade da informação”, “sociedade do conhecimento”, “sociedade tecnológica”, dentre outros. Entretanto, considera-se mais apropriado o termo sociedade da informação, pois a era da informação é fruto do avanço das chamadas novas tecnologias que armazenam e/ou distribuem de forma prática os dados. (SALES, 2010, p.13).

Diante do quadro, é importante frisar que a informação fica num terreno de superficialidade, mas que ela tem que ser utilizada para produzir o conhecimento que transforma, que é capaz de tornar o ser humano mais livre, quando bem utilizado, pois caso contrário haverá a permanência da extrema exploração empreendida pelo Capitalismo hegemônico nos últimos séculos. Nesse bojo, o discurso sobre as tecnologias fica esvaziado, perde o sentido, já que não fará diferença se não contribuir para o desenvolvimento humano, mas pode ser danoso se for utilizado para separar, excluir, alienar, sabendo que quando se faz tais colocações é para esclarecer que não são os homens que vivem por causa das TICs, mas estas existem como criação dos homens, dos seres humanos. Nesses termos, fugimos da compreensão, "messiânica" utilizada, por Habermas e por Pierre Levy, que constroem uma visão idealista, da inovação tecnológica, voltada para o tecnicismo e o determinismo tecnológico da sociedade, traduzido apressadamente e sem demonstração no termo “Sociedade do Conhecimento” (MATTA, 2005, p.1)

Já que o desafio é o saber utilizar as TICs, bem como a forma e o sentido dado a elas, é imprescindível também entender que a educação formal pode contribuir na ressignificação desses valores postos e ligados à tecnologia. É importante ver as TICS como mecanismos que podem potencializar a construção do conhecimento, com o apoio de seres humanos interessados na melhoria do mundo, já que não adianta tecnologia e inovação se as relações sociais continuarem a privilegiar o Ter em detrimento do Ser; se as verdades validadas pela sociedade capitalista, que privilegia a mera informação, não for superada por uma nova práxis social, e de acordo com Sales (2010):

É possível afirmar que as TICs podem levar à constituição de ambientes colaborativos inovadores, visto que permitem ampliar zonas de atuação dos sujeitos pertencentes à práxis social em questão. A colaboração pode ser considerada uma categoria chave para a compreensão das novas formas de pensar o processo educativo, articulando técnica, educação e cultura. Segundo Freire (1983), a educação não se faz de “A” para “B” ou de “A” sobre “B”, mas de “A” com “B”. Por isso ele afirma que a co-laboração, como característica da ação dialógica, não acontece a não ser entre sujeitos, mesmo com distintas funções, portanto, diferentes responsabilidades somente pode realizar-se na comunicação (SALES, 2010, p.17)

Assim, pode-se perguntar, como está o acesso dos brasileiros, cidadãos, a esse conhecimento tecnológico, ou ao menos à informação? Vive-se uma “inclusão digital”? O que é mesmo “inclusão digital”?

De acordo com Salles, inclusão digital "é o processo mediante o qual as pessoas obtêm acesso à tecnologia digital e se capacitam para utilizá-la de modo a promover seus interesses e desenvolver competências que resultem na melhoria da qualidade de sua vida". Ótimo, mas como essa dita inclusão irá ajudar a tantos que não tem perspectivas de vida, não tem um lar, uma família? Será mesmo possível promover esta inclusão, para tantos excluídos?

A autora ainda fala em melhoria da qualidade de vida, como se ter acesso às máquinas pudessem garantir isso. Mas é preciso sair da superficialidade e aproveitar algo importante apontado por Salles: para que a inclusão digital aconteça é preciso também de “acesso à tecnologia digital, capacidade de manejar essa tecnologia do ponto de vista técnico e capacidade de integrar essa tecnologia nos afazeres diários", então, se assim for, vai ser muito difícil promover a tal inclusão na sociedade brasileira, com pessimismos à parte, já que a idéia do “estado mínimo” não leva a crer que o “cidadão” será atendido como deve ser. De posse de tais compreensões sobre “inclusão digital”, cabe outro questionamento: a quem interessará a questão “inclusão digital” dos cidadãos “contemplados”?

É uma pergunta que deve ser feita cotidianamente, pois como diz a autora supracitada "o problema atinge a própria competitividade do país no cenário mundial". Assim vemos que o princípio do interesse é com o capital e não com o humano, de fato, não querendo afirmar com isso que tal processo faça parte de um complô, mas de uma lógica; a lógica do capital que mercantiliza tudo.

Muito se falou de “cidadão” e consequentemente sobre cidadania. Como foi dito a princípio, o conceito esvaziou-se, mas pelo que se vê, é difícil ter cidadania plena dentro do modelo capitalista de produção. Wood (2007) deixa isso claro quando mostra a impossibilidade de existência de Democracia dentro do capitalismo; ela aponta que o ponto central da democracia burguesa existente visa

Limitar o pode arbitrário do Estado a fim de proteger o indivíduo e a “sociedade civil” das intervenções indevidas deste. Mas nada diz sobre a distribuição do poder social, quer dizer, a distribuição de poder entre as classes. Na realidade, a ênfase desta concepção de democracia não se encontra no poder do povo, mas sim em seus direitos passivos, não assinala o poder próprio do povo como soberano, mas sim, no melhor dos casos, aponta para a proteção de direitos individuais contra a ingerência do poder de outros. De tal modo, esta concepção de democracia focaliza meramente o poder político, abstraindo-o das relações sociais ao mesmo tempo em que apela a um tipo de cidadania passiva na qual o cidadão é efetivamente despolitizado. ( WOOD, 2007, p.383)

A cidadania é muito mais discutida no sentido do direito de se votar e ser votado, quando muito, mas o papel nosso de cada dia é reverter tal sentido e fazer garantir o que está na lei; é preciso que sejamos cidadãos ativos, cientes do nosso poder efetivo; é preciso que os elementos civis e sociais sejam considerados e haja a substituição dessa democracia formal por uma democracia substantiva. Nesta última, a valoração será dada ao ser humano; o Ser vai superar o paradigma do Ter e ai, muitas pessoas “excluidas” dos processos sociais terão possibilidades de ter acesso não só a informações e tecnologias da informação; as pessoas poderão utilizar tais informações para construir conhecimento e ai ajudar na sua emancipação. É bom que fique claro que o processo não será dado, mas construído. Muitos podem ver isso como utopia e o é, pois aqui compreende-se a utopia, não como o irrealizável, mas como o que é possível; um possível que vai sendo aprimorando na caminhada, no dia a dia. Quem tem acesso a tais informações e conhecimentos hoje pode ser o agente contribuinte para tal acontecimento e quanto a essas pessoas, pode-se dar o nome de “cidadãos ativos”, “intelectuais orgânicos”, mas o interessante é que essas pessoas consigam ter um vínculo com sua comunidade, com seu entorno e fazer acontecer o melhor, que é ajudar a muitos se tornarem cidadãos no melhor sentido da palavra. Aquele ou aquela que tem seus direitos resguardados, mas também cumpre com os seus deveres, já que a cidadania é uma “via de mão dupla”.

Referências

MATTA,A.Tecnologias para a colaboração. Disponível em http://. Acesso em 18 de setembro de 2010.

SALES, M. V. S. ett all. Educação e Tecnologias da Informação e Comunicação. Salvador: UNEB/EaD; 2010.

SILVA,J. M. L. da & ALVES, L. Do quadro de giz as práticas de ensino online – delineando novos papéis para professores e alunos. Disponível em: http:/// Acesso em 13 de agosto de 2010.

WOOD, E. M. Estado, Democracia e Globalização. In. BORON, A. A. et.all. A teoria marxista hoje: problemas e perspectivas. S.P: CLACSO/Expressão popular, 2007.

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