SOBRE A POLÍTICA
A invenção da Política
Francis Wolff
O autor inicia seu trabalho observando que fora convidado por Adauto Novaes para abrir um ciclo de conferências consagradas à descoberta do Brasil com uma exposição sobre a Grécia Clássica, intitulada “A invenção da política” e assim, mesmo achando parecer perigoso, pois a idéia se mostrava etnocêntrica, por parecer mostrar o fazer político privilégio de um só povo e em particular do povo do qual a civilização ocidental vangloria-se ser herdeira, ele aceitou a idéia.
Assim, passa a mostrar que todos os povos vivem politicamente e que a primeira sociedade na qual se reconheceu que a política não é característica de uma sociedade particular, mas do homem em geral, foi a sociedade grega; os gregos mostraram a universalidade da política, que não existem inventores do político. Ele está na natureza do homem, que não o inventou. Desta forma, afirma que se todos os homens sempre viveram politicamente, esse é em particular o caso dos índios do Brasil de antes da descoberta. E era precisamente o que os descobridores europeus recusavam-se a reconhecer. Das tribos tupinambás, eles diziam com desprezo: “Sociedade sem fé, sem lei, sem rei”.
Logo adiante, vê-se que o autor remete a política à comunidade, em outras palavras existem comunidades políticas e na página 28 aponta que uma tribo, uma cidade antiga, uma nação moderna, um império, uma federação são comunidades políticas; aqueles que fazem parte dela têm uma memória comum e um sentimento de pertinência, distinguindo o interior (nós) e o exterior (eles), muitas vezes até, mais radicalmente, o amigo e o inimigo, o civis do hostis. A vida política, é portanto, a vida dessa comunidade enquanto tal, o que faz com que ela seja e permaneça sendo uma comunidade, além de todos os riscos internos (desordens, dissensos) ou ameaças externas (agressões, guerras).
Contudo, salienta o autor, que o comunitário não é suficiente para definir o político e que a vida política não é natural ao homem como a respiração o é. Os homens não vivem todos e sempre de modo político, mas isso não quer dizer que tal aconteça sem esforço nem coerção. Eis o paradoxo: eles vivem necessariamente em comunidades políticas, mas não podem fazê-lo sem coerção, isto é, sem política, justamente; a política define-se, portanto, por dois traços essenciais: é preciso uma comunidade e é necessário que, no próprio seio dessa comunidade e não fora dela, exista uma instância de poder.
Na página 31 o autor nos traz conceitos de político: um é definido a partir de laços sociais; o outro é definido a partir das relações de coerção, de comando e de luta. Constatamos na primeira definição o ideal, a forma mais adequada de exercer política, com o poder emanado do povo para o povo, em face de existir a igualdade e a liberdade. Na segunda definição constatamos o modelo que ora vivenciamos, com homens comandando homens de forma coercitiva.
Na página 32 tem uma passagem que define bem o chefe ideal em uma comunidade política, pois ele é reconhecido por intermédio da palavra, não necessita de nenhum mecanismo coercitivo para garantir a ordem, possui autoridade e não poder; a unidade e a ordem não emanam dele, mas da própria sociedade: confundem-se com ela. Não é ele, portanto, quem exerce o poder sobre ela, é ela que exerce o poder sobre ela mesma através e por intermédio da palavra do chefe – pelo menos em tempo de paz, pois durante as expedições guerreiras o chefe adquire poder soberano e autoridade absoluta sobre todos.
Na página 33, observa-se em relação ao Estado na sociedade moderna, que ele é onipotente em detrimento da coletividade e permite, mais ou menos, a existência de uma esfera de liberdade para os indivíduos, mas uma liberdade limitada.
Uma outra discussão importante elaborada pelo autor é sobre a questão Democracia; assim, traça a diferença entre Democracia grega e Democracia moderna: a primeira, de matriz ateniense não se chamava a si mesma de “democracia”, mas de “isonomia” (distribuição igual do poder); a segunda busca garantir a exterioridade entre a comunidade e o poder; enquanto na democracia antiga, ao contrário, esses dois princípios gerais vêem-se completados e realizados em dois princípios particulares que têm finalidade garantir a mais completa identidade possível entre as duas instâncias constitutivas do político. Em relação ainda á democracia moderna são feitas severas críticas, pois se trata de um modelo representativo, que é a exclusão da maioria em detrimento da minoria; na Grécia antiga existia o princípio da soberania que era exercida na Assembléia do povo, a Ekklesia, que era responsável em conjunto pelas principais decisões tomadas pela comunidade e para esta
Na página 41 o autor reafirma que, a democracia antiga e a democracia moderna são na verdade sistemas opostos. A democracia moderna aplica a soberania popular por meio de representantes e não da igualdade. A democracia antiga oferece direito igual a “todos” de participar da administração pública e “todos” opinavam discordando ou reforçando o sentimento da comunidade em suas retóricas em praça pública. Na página 48 existe um reforço para definir melhor a democracia antiga, que pode-se defini-la nos termos de J.-P. Vernant: “ é a emergência de um campo privilegiado em que o homem se percebe como capaz de regrar por ele mesmo, através de uma atividade de reflexão, os problemas que lhe concernem, depois de debates e discussões com seus pares”.
Próximo a encerrar o texto, Wolff afirma que os indígenas não queriam fazer política; as sociedades resistiam com todas as forças a tudo aquilo que se assemelhe ao poder; pensavam como se o mal aqui embaixo fosse a política, isto é, o poder de alguns ou a ação coletiva voltada para o futuro; já os gregos temiam acima de tudo a profissionalização da política. O ideal seria uma Cidade em que todos fizessem política profissionalmente; todos deveriam ser políticos por excelência.
O Desentendimento
Jacques Ranciére
O autor começa discutindo sobre o caráter iminentemente político do homem e assim afirma que a destinação supremamente política do homem atesta-se por um indício: a posse do logos, ou seja, da palavra, que manifesta, enquanto a voz apenas indica. O que a palavra manifesta, o que ela torna evidente para uma comunidade de sujeitos que ouvem, é o útil e o nocivo e, consequentemente, o justo e o injusto. Ai reside o início da discussão da política e de seu problema: a relação obscura entre o “nocivo” e o injusto, entre o útil e o justo e essa noção de justeza, de justiça só começa ali onde se pára de repartir utilidades, de equilibrar lucros e perdas. A justiça enquanto princípio de comunidade não existe ainda ali onde todos se ocupam unicamente em impedir que os indivíduos que vivem juntos se causem danos recíprocos e em reequlibrar, ali onde o causam, a balança dos lucros e das perdas. Ela começa somente ali onde se trata daquilo que os cidadãos possuem em comum e onde se cuida da maneira como são repartidas as formas de exercício e controle do exercício desse poder comum.
A política começa justamente onde se pára de equilibrar lucros e perdas, onde se tenta repartir as parcelas do comum, harmonizar segundo a proporção geométrica as parcelas de comunidade e os títulos para se obter essas parcelas, as axiai que dão direito á comunidade. Ranciére, continuando seu discurso coloca que os “clássicos” nos ensinam que: a política não se ocupa dos vínculos entre os indivíduos, nem das relações entre os indivíduos, nem das relações entre os indivíduos e a comunidade, ela é da alçada de uma contagem das “partes” da comunidade, contagem que é sempre uma falsa contagem, uma dupla contagem ou um erro de contagem.
Na página 22 vê-se, além do supracitado, Aristóteles enumerando títulos da comunidade, como: A oligarquia (os que possuem bens e poder econômico); A Aristocracia (os que detém um maior conhecimento); O povo ( demos ). Esses títulos não traziam nenhum impedimento para o sentimento comum de liberdade e igualdade entre todos.
Ao pensar na democracia moderna, vê-se o autor apontar o seguinte enunciado: a sabedoria “liberal” nos descreve com complacência os efeitos de uma igualdade artificial que vem contrariar a liberdade natural de empreender e de trocar. Outra diferença entre a democracia clássica e a democracia moderna, fica clara nesta passagem: A liberdade vem, em suma, separar a oligarquia dela mesma, impedi-la de governar pelo simples jogo aritmético dos lucros e das dividas. Na democracia moderna as oligarquias governam pelo jogo aritmético buscando sempre cada vez mais lucros, determinando as classes sociais e explorando mais e mais os sem parcelas. O povo não é uma classe entre outras. É a classe do dano à comunidade e a institui como comunidade do justo e do injusto.
Nessa discussão, dos que tem e dos que não tem parcela, Aristóteles aponta que a polis tem, na verdade, apenas duas partes: os ricos e os pobres e que “quase em toda a parte, são os abastados que parecem ocupar o lugar das pessoas de bem” e a partir disso, é importante enfatizar que foram os antigos, muito mais que os modernos, que reconheceram no princípio da política a luta dos pobres contra os ricos e ai Ranciére é contundente ao afirmar que “há política quando existe uma parcela dos sem-parcela, uma parte ou um partido dos pobres. Não há política simplesmente porque os pobres se opõem aos ricos.Melhor dizendo, é a política – ou seja, a interrupção dos simples efeitos da dominação dos ricos – que faz os pobres existirem enquanto entidade”, a política existe quando a ordem natural da dominação é interrompida pela instituição de uma parcela dos sem-parcela.
Na página 28 temos várias explanações que explicam a guerra dos pobres contra os ricos, onde o autor relata a necessidade de interrupção da corrente para ressignificar a comunidade política, dividindo aritmeticamente as parcelas, ou seja, dando-se a cada um uma parcela igual de terra. O que, para o autor, mesmo dividindo em parcelas, teríamos ainda uma grande dificuldade – o povo não é realmente o povo, mas os pobres, os próprios pobres não são verdadeiramente os pobres. São apenas o reino da ausência de qualidade, a efetividade da disjunção primeira que porta o nome vazio de liberdade, a propriedade imprópria, o título do litígio.
Na página 31 é apresentada mais uma situação desse embate existente no ser da política e assim o autor coloca que “antes do logos que discute sobre o útil e o nocivo, há o logos que ordena e confere o direito de ordenar. Mas esse logos primeiro já está mordido por uma contradição primeira: há ordem na sociedade porque uns mandam e os outros obedecem. Mas, para obedecer a uma ordem, são necessárias pelo menos duas coisas: deve-se compreender a ordem e deve-se compreender que é preciso obedecer-lhe. E, para fazer isso, é preciso você já ser o igual daquele que manda”.
Para o autor, o que se considera ser política, ele prefere chamar de polícia, ou baixa polícia: golpes de cassetetes das forças da ordem e as inquisições das polícias secretas; isso é a confirmação da tentativa do Estado de colocar-se na posição de coerção, uma vez que quando vê ruídos, gemidos é necessário esses meios supracitados para silenciar, para que não exista nem fala e nem ruído.
A dominação globalizada: estrutura e dinâmica da dominação burguesa no Brasil
Francisco de Oliveira
Texto escrito por Francisco de Oliveira, sociólogo, começa apresentando o sentido da política a partir de Ranciére, e assim é apontada como dissenso; os que não tem, entram em conflito com os que têm e não aceitam a partilha da forma mínima como é feita, o que gera o conflito; vê-se também a tentativa de imposição de uma Agenda mínima, por parte dos que não tem parte, contudo, os que tem parte, “tenta, por sua vez desvencilhar-se da pauta e sair da Agenda que lhe é oferecida ou imposta”. A partir do texto, vê-se também que a política está sempre em mutação, “há uma permanente mudança de qualidade”, além disso observa-se que para evitar o conflito, a classe dominante se apropria daquilo criado pela proposta/resposta e isto confere estabilidade no campo político, permanecendo a pauta e a agenda das questões e ai ocorre o que Gramsci chamou de hegemonia, que para Marx e Engels, “é a produção conflituosa do consenso”.
O texto, após as considerações iniciais, passa a tratar do período de 1964 a 1990 que correspondeu a uma época de forte invenção política no Brasil; período tido como de desmanche de regras e valores. No período anterior a 1964, Oliveira aponta um crescimento econômico considerável a partir da década de 1950, a dominação predominante da burguesia nacional nascente, a intensificação da tutela do operariado e a existência de um consenso brutalizado.
O golpe militar de 1964 fortaleceu a tendência que vinha se acentuando: o domínio da vida econômica e cultural pela burguesia nacional. Nesse período o governo militar operou sobre o proletariado não apenas na manutenção da tutela estatal inaugurada pelo Estado Novo de Vargas nos anos 1930, mas indo além do controle salarial, sugerindo parentesco com o que Pollock chamaria de produção de mercadorias sem equivalência no caso nazista característica, aliás, de todos os capitalismos tardios.
Com a crise da ditadura militar, aliada a uma grave crise econômica, vê-se a construção de uma nova sociabilidade e uma nova política, uma reinvenção da política cuja base social podia ser reconhecida, da qual as linhas de força emergiam com certa clareza, determinando as opções de política policial dentro do campo criado pelas poderosas transformações.
O autor aponta também que a Nova República institucionalizou a redemocratização após a queda da ditadura, sob a forma de uma transição feita ainda por cima; nesse contexto, aponta o PT e o MST como umas das maiores invenções políticas da década de 1980 e do século XX.
Os anos de 1990 são apontados como um período de criação de uma nova intransparência, um momento de nova ação comunicativa pautada no “silenciamento dos sujeitos”. Nesse contexto o neoliberalismo ganha espaço e ai assiste-se ao enfraquecimento do trabalho com o desaparecimento de muitos postos e funções, o avanço do capital virtual e frágil, o deslocamento de fábricas para as periferias.
O grupo que toma o poder em 1989, comandado pelo presidente eleito Fernando Collor de Mello, que trazia promessas messiânicas, deixou clara a existência de um momento que ficou conhecido como “a era da indeterminação”, pois a política nesse momento significava apenas a representação de interesses. Seguido por Fernando Henrique Cardoso (trator da era da globalização), favoreceu o crescimento da dívida interna pública, o aceleramento das privatizações e fusões, o que definitivamente decretou uma crise econômica e social no Brasil. Pois houve uma precarização das condições de vida do brasileiro, piora na distribuição da renda, esvaziamento da esfera pública, na fórmula gramsciana, de consenso mais coerção, a porção de coerção continua sendo a mais importante, o PT transportou-se para o partido que profissionalizou-se, a política foi depredada; os partidos não fazem mais política e se consomem numa luta pelo poder que não tem nada de programática; escândalos mostram que a política partidária é irrelevante.
Para finalizar o texto, o autor aponta que o que ocorre hoje é uma nova dominação de classe que se faz pelo terror; é uma dominação sem política e que é impróprio, pois, teórica e praticamente, falar-se em neoliberalismo; este correspondeu á fase de liquidação da política como nacionalidade. O capitalismo globalizado rejeita a submissão à política, que foi uma invenção especificamente ocidental para tratar as fortes assimetrias instauradas pelo poder econômico do capital.
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